quarta-feira, 4 de agosto de 2010

A Grande Imaginação do Limite Vagando pela Rua/Flávio de Carvalho

     Os povos necessitam da moda para a sua estabilidade mental. O equilíbrio  capaz do curso da etapa histórica também necessita da moda. A moda funciona como reguladora mental dos povos.  
     Com o intuito de controlar os sintomas da loucura que nos momentos de progresso intenso, sempre que aproxima, embora às vezes não percebida, o homem opera uma substituição. Ao invés de exibir a força imposta pelo seu mundo fantasma - força esta incapaz de ser contida pelo seu organismo de indivíduo, pequeno demais - ele exibe a substituição, isto é, exibe a moda. E, assim fazendo, permanece para cá da linha divisória. Esta moda que ampara o homem, traduz na sua ação um descanso e uma terapêutica.
     A moda é perfeitamente capaz de conter, acalmar e substituir as primeiras manifestações de desequilíbrio mental. É perfeitamente capaz de fornecer uma compensação pelas inferioridades dos componentes da história . No momento de se precipitar fora do equilíbrio, o homem ornamenta o seu corpo e assim fazendo consegue restabelecer-se. O ornamento funciona para o indivíduo como uma válvula de escapamento, regulando a pressão da psique, enquanto que a moda funciona como válvula reguladora da etapa histórica em trânsito.
    Entendem-se por moda os costumes, os hábitos, os trajos, a forma do mobiliário e da casa, enquanto que o ornamento poderia também assumir um sentido como paradas militares, manifestações patrióticas, discursos vazios, etc... Contudo, é a moda do trajo que mais forte influência tem sobre o homem, porque é aquilo que está mais perto do seu corpo e seu corpo continua sempre sendo a parte do mundo que mais interessa ao homem.
    A moda se apresenta como aquilo que mais se aproxima ou mais se funde com o que há de fantástico na imaginação do homem. Ela é não só uma manifestação fácil e rápida de poder e depreciação, mas também de gosto apurado.
    Como manifestação de poder e depreciação é das mais econômicas. Depreciar com consequente  poder é o traço mais frequente e mais perturbador da maravilhosa natureza humana. É a futilidade do ornamento que mantém, na maior parte do tempo, o indivíduo em equilíbrio estável e é o trajo que conserva este equilíbrio dentro da própria história. Esta escolha fútil é consequência do cérebro pouco desenvolvido e do atual estado impressionável do homem.
    Nos estados agudos do indivíduo que alcança o limiar de um mundo próprio, aparecem as sobreviências compensadoras graciosamente apoiadas no ornamento e no desejo de criação. Encontramos pateticamente, nas ruas sw toda parte, exemplares de homens e de mulheres que perderam o controle dos seus desejose das suas angústias e que se apresentam vagando pela rua, discursando histericamente para um público, às vezes imaginário. Exibem profuso aparato e ornamento, cobrem-se com flores e fitas, e cores e panos diversos que se desdobram, agradavelmente.
    Marginais descontrolados que falam a um mundo próprio, o mundo da loucura e do sonho.
    São estes os detentores da grande imaginação e da grande moda. São os supremos criadores da fantasia humana... e tão desprezados pelo povo que passa...
    A moda, magnificamente eurrítmica, é feita para esconder defeitos e compor angústia arcáica.   
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COHN, Sérgio e Heyk Pimenta (organiz.). A moda e o novo homem: dialética da moda/Flávio de Carvalho. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2010

Flávio de Resende Carvalho, (Amparo da Barra Mansa - RJ, 10/08/1899  - Valinhos - SP, 04/06/1973) Pioneiro da arquitetura moderna brasileira, pintor desenhista, escritor, Flávio de Carvalho estudou na Inglaterra e sempre se distinguiu pelo arrojo e pelo ineditismo de sua atuação. Foi um inovador, acostumado, desde o princípio, a nunca pisar caminhos já sulcados.